O Observatório da Paz – Nô Cudji Paz, na sequência do diálogo e articulação com os líderes religiosos na Guiné-Bissau, do qual salientamos o Encontro Nacional dos Líderes Religiosos, em 2022, inscreveu a temática da Prevenção do Radicalismo e Extremismo Religioso (PREV) na ordem do dia das lideranças religiosas no país.
A articulação que o Observatório tem vindo a promover com as diferentes confissões religiosas, incluindo iniciativas de mediação de conflitos de carácter étnico-religioso, bem como formação referente ao radicalismo e o extremismo violento (REV), levou ao convite para apoio e participação ativa na X Conferência da União Regional dos Padres da África Ocidental (URPAO), a decorrer entre os dias 2 e 9 de junho, no Hala Hotel, em Bissau.
A URPAO – União Regional dos Padres da Africa Ocidental (RUPWA – URPAO – Regional Union of Priests of West Africa, na versão em inglês) reúne anualmente e rotativamente num dos países membros para refletir sobre o processo de evangelização e sobre a situação sociopolítica, quer a nível da região, quer a nível mundial, sendo em 2024 organizada pela Associação do Clero Diocesano da Guiné-Bissau, que inclui as Dioceses de Bissau e de Bafatá.
A Conferência Episcopal da África Ocidental, na Costa do Marfim em 21 de janeiro de 2012, exortou os sacerdotes a formar uma união regional de língua inglesa, francesa e portuguesa. A justificação para a constituição desta união seria enquadrada pela Lumen Gentium n.º 28: “Em virtude da comum sagrada ordenação e missão, todos os presbíteros estão entre si ligados em íntima fraternidade, que espontânea e livremente se deve manifestar no auxílio mútuo, tanto espiritual como material, pastoral ou pessoal, em reuniões e na comunhão de vida, de trabalho e de caridade.” Assim os padres dos 15 países da CEDEAO (Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental), mais a Mauritânia, constituíram a URPAO.
A 10.ª Conferência da URPAO, em junho de 2024, espera congregar mais de 200 participantes, entre padres, freiras, leigos, delegados, para discutir o tema de “o papel profético dos padres face à intolerância e à instrumentalização étnico-religiosa na África Subsaariana”.
Na sessão de abertura, a 4 de junho no Hala Hotel, transmitida em direto pela Rádio TV Bantaba, participaram o pe. Aloyse Sene, Presidente da URPAO; o pe. Augusto M. Tamba, Coordenador do Clero Diocesano da Guiné-Bissau e Vice-presidente da URPAO; o Dr. Miguel Silvestre, Embaixador de Portugal na Guiné-Bissau e na qualidade de cofinanciador do projeto Observatório da Paz; o Dr. Ilídio Vieira Té, Ministro das Finanças da Guiné-Bissau em representação do Presidente da República, Umaro Sissoco Embaló, e Dom José Lampra Cá, Bispo de Diocese de Bissau, na qualidade de anfitrião da X Conferência.
Estão presentes na 10.ª Conferência os seguintes países: Guiné-Bissau, país anfitrião; Benim, Burquina Fasso, Costa do Marfim, Senegal, Gâmbia, Guiné-Conacri, Serra Leoa e o Togo. Os países ausentes são: a Libéria, o Gana, a Nigéria, Cabo Verde, a Mauritânia e o Mali.
O pe. Augusto M. Tamba, Coordenador do Clero Diocesano da Guiné-Bissau e Vice-presidente da URPAO, na sua exposição, referiu que “a África Subsaariana é uma das regiões mais religiosas do mundo, com mais de 80% da sua população a afirmar que a religião é muito importante nas suas vidas. No entanto, a região também é muito conhecida pela sua diversidade étnica, com diferentes línguas, etnias e religiões. A África Subsaariana tem uma presença conservada de islamismo, catolicismo e protestantismo, no entanto, o espírito de milhões de africanos é fortemente guiado pela região tradicional africana. E muitos africanos guardam influências das religiões ancestrais, como na crença do poder protetivo dos amuletos.”
O pe. Tamba referiu que “a região da África Subsaariana é conhecida por muitos conflitos étnicos e religiosos, originados no preconceito e na intolerância, sobretudo por parte dos cristãos e muçulmanos.”
De forma contundente afirmou que “se África vai mal é porque até aqui, até este ponto, certos dos seus chefes religiosos, políticos e militares se desviram das suas missões. Em vez de unir, passaram o tempo a dividir para poderem reinar. Cada um passou a cuidar mais do seu plano, da sua religião, do seu interesse.”
Partiu, a seguir, para a explicação da centralidade do tema da REV na 10.ª Conferência: “A Igreja africana situada na zona Subsaariana, guiada pela missão do mundo, de promover a justiça, a paz, a coesão nacional e sub-regional e a reconciliação entre os povos, e igualmente preocupada com os sinais de radicalização e intolerância interreligiosa na região, sobretudo pelos discursos de ódio contra as outras etnias e religiões e os membros de outras formações políticas adversárias, promete não ficar silenciosa como fizeram os profetas da Bíblia. A Igreja Católica da África Subsaariana preocupada com o evoluir destas e de outras situações similares, quer refletir sobre o papel profético dos padres dentro da comunidade dos países da CEDEAO. De seguida buscar, em comum acordo, como encontrar um outro resultado contra a violência e o extremismo étnico-religioso e promover a justiça, a paz, a união e o desenvolvimento.”
Augusto M. Tamba citou Nelson Mandela no livro “Um Longo Caminho para a Liberdade!”: “Ninguém nasce a odiar outra pessoa por causa da cor da sua pele, ou da sua origem, ou da sua religião. As pessoas têm de aprender a odiar e, se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar, pois o amor é mais natural no coração humano do que o seu oposto.”
Conclui dizendo que “a nossa sub-região da África Ocidental está a ser testemunha de uma onda de conflitos de vários tipos, incluindo os de natureza étnica e religiosa. Na atual situação, nós sacerdotes, temos um papel vital de liderança na resolução de conflitos e da reconciliação.”
O Dr. Miguel Silvestre, Embaixador de Portugal na Guiné-Bissau referiu que “importa estarmos atentos àquelas que são as dinâmicas regionais, em particular da África Ocidental, e do Sahel”. Prosseguiu dizendo que “o facto de a Guiné-Bissau, que é este país de tolerância e este porto seguro de abrigo para muitos, também começa a apresentar um conjunto de fatores sociais, económicos e políticos que, se não contrariados, poderão facilitar o crescimento de grupos radicais, de grupos violentos, através da proliferação de discursos de incitamento ao ódio, da instrumentalização política de questões étnico-religiosas. E por isso olhamos para esta e outras ações de promoção do diálogo e da tolerância que têm por base identificar de forma profética. De facto, o profeta é aquele que antecipa, é aquele que prepara o caminho, mas é, também aquele que vê antes de chegarem os acontecimentos. É esse apelo profético que todos estamos aqui chamados hoje a convocar para que possamos evitar estes fenómenos de radicalização.”
O Senhor Embaixador referiu que é preciso “travar os sinais já existentes ou sementes de ódio, sementes de radicalização, importa também prevenir o seu crescimento, especialmente junto dos jovens. Através da deteção de sinais de discursos radicais, o objetivo de desconstruir esses mesmos discursos, de explicar porque é que essa não é a via para a qual nós devemos avançar e criar um ambiente favorável à consolidação da paz e à coesão social.”
Miguel Silvestre destacou que é “fundamental que estas iniciativas de consciencialização e de sensibilização contínua e sistemática das comunidades, sejam feitas, em estreita articulação com as autoridades nacionais. É isso que permitirá consolidar resultados. Nós não podemos avançar de forma separada. E como a Bíblia diz, “deem a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” (Mateus 22:21, BPT). De facto, há uma diferença entre aquela que é a responsabilidade das autoridades civis e políticas, e aquela que é a responsabilidade das autoridades religiosas. Mas esta realidade tem de ser feita de forma simbiótica, de forma harmónica, e nós não podemos construir um futuro de paz sem estarmos unidos no mesmo devir que é o bem-estar do povo.”
Dr. Ilídio Vieira Té, Ministro das Finanças da Guiné-Bissau, começou a sua intervenção referindo que a escolha do tema da 10.ª Conferência revela “uma grande sapiência”, acrescentando que “tudo aquilo que vai sair desta magna reunião, as conclusões e consequentemente as recomendações, devem ser reencaminhadas pelo Governo da Guiné-Bissau”. Numa aproximação à Igreja Católica, referiu que “a Igreja, eu digo que é um pilhar. E o pilhar significa que pode ser um fator conciliador, um fator que pode unir os guineenses dentro das nossas divergências, porque cada um é livre de ter a sua opinião, e ter a sua opção partidária, religiosa e por aí fora.”
O Senhor Ministro disse que “temos assistido e vivido nos últimos tempos os problemas por causa dos direitos entre uma determinada etnia e outra, e nós temos que começar a combater isto de uma forma inteligente, sensibilizando as pessoas”. Acrescentou, igualmente, que “sobretudo na instrumentalização étnico-religiosa do aspeto político que já retiramos de outros países, esses exemplos negativos em que muitas pessoas perderam a vida. Fiquei muito feliz quando vi a instrumentalização étnico-religiosa na África Subsaariana (como tema da X Conferência), ou seja, que não é um problema só da Guiné-Bissau, é um problema que afeta, se calhar, a África na sua globalidade. E de uma forma sábia escolheram este tema para ser debatido.” E a razão, segundo Ilídio Vieira Té, é que como político, a escolha do tema “tocou-me mesmo, porque sei qual é o risco que isto (o REV) pode representar para o país”.
Depois numa nota sobre o papel do Observatório da Paz, referiu que “estou a ver aqui o representante também da Liga (LGDH), que pode ajudar com um papel crucial no que toca à sensibilização de toda a sociedade guineense para ver se nós não precisamos de ir para além. Temos de viver em paz, temos de viver em harmonia, temos de estar como guineenses, temos de nos comportar como tal, não precisamos ser radicais próximos do extremismo. Temos de viver dentro da nossa guinendade. Temos de nos respeitar dentro da nossa divergência. Portanto, o país precisa de respirar. O país precisa de ter a paz. O país precisa desta mão da Igreja para que possamos viver em harmonia e tranquilidade.”
Por fim, o Ministro das Finanças deu nota da laicidade do Estado guineense: “Quero afirmar a nossa determinação enquanto Estado laico, esta laicidade nos permite vivenciar o nosso dia a dia com todas as estruturas étnicas. Portanto, animistas, muçulmanos, evangélicos, cada um deve respeitar a religião do outro. E o Estado não se ingere nos assuntos religiosos”.
Dom José Lampra Cá, Bispo de Diocese de Bissau, na qualidade de anfitrião, na sua alocução referiu que a “X Conferência da União Regional dos Padres da África Ocidental decorre numa altura particularmente desafiadora, no sentido em que a nossa região da África Subsaariana está confrontada, não só com a questão de instabilidade política e da pobreza, mas também com o fenómeno da intolerância e a instrumentalização étnica e religiosa. Isso significa que nós nos deparamos com inúmeras questões e poucas são as soluções em manga. Esta triste constatação pode fazer nascer em nós o sentimento de inutilidade sobre aquilo que fazemos, isto é, dada a gravidade da situação e os seus contornos. Podemos pensar que a nossa ação como sacerdotes não passa de uma gota de água no oceano. Caros irmãos, no sacerdócio, a nossa quota-parte, a nossa gota de água é necessária, porque sem ela o oceano não teria a dimensão nem a beleza que tem. Como sacerdotes, nós devemos diversificar iniciativas, ter criatividade para não sermos surpreendidos pelas situações que não jogam a nosso favor. A favor do bem-estar dos cidadãos e da dignidade da pessoa humana. Esta X Conferência será uma ocasião para refletirmos sobre aspetos relacionados com o papel profético dos padres e vamos lançar um olhar atento e sensível à intolerância e à instrumentalização étnica e religiosa na África Subsaariana.”
O Bispo de Bissau em nota de agradecimento aos participantes disse “que bom que estão aqui os delegados da União Regional dos Padres da África Ocidental. Assim vão poder ouvir e participar no assunto que será debatido e tentarão desenhar uma estratégia de intervenção com uma Igreja Católica sempre aberta aos homens e ao mundo.”
Anabela Bull, na qualidade de “speaker” da sessão de abertura, explicou que o “evento está a beneficiar do Alto Patrocínio do Observatório de Paz, financiado pela União Europeia e Camões.” Seguidamente elencou os temas que “farão parte X Conferência dos Padres da URPAO. Já hoje (dia 4 de junho), verão a parte da tarde ocupada com o tema:
- “O papel profético dos padres na promoção da justiça, da verdade e da paz, a imagem dos profetas da Bíblia”;
No dia 5 de junho, o tema será:
- A Sociedade contemporânea face à intolerância étnico-religiosa: como prevenir o extremismo étnico religioso e os desafios dos estados da África Subsaariana.
No dia 6 de junho, às 09h30, o Observatório da Paz coordena a Sessão 4, dedicada ao tema do Radicalismo e Extremismo Violento (REV) na África Ocidental. Este painel terá como orador principal o Mestre Moustapha Welle, do Instituto Tumbuktu, com a moderação de Bubacar Turé, Presidente da Liga Guineense dos Direitos Humanos (LGDH) e Coordenador do Projeto em representação do consórcio IMVF/LGDH.
Quinta-feira, 6 junho, 2024 | |
09:30 – 10:30 | Sessão 4: Radicalismo e Extremismo Violento na África Ocidental |
Orador: Mestre Moustapha Welle, Instituto Tumbuktu, Dakar – Senegal | |
Moderador: Bubacar Turé, Presidente da Liga Guineense dos Direitos Humanos (LGDH) e Coordenador do Observatório da Paz | |
10:30 – 11:00 | Pausa |
11:00 – 12:00 | Debate e contribuições |
Anabela Bull, explicou que “depois deste trabalho, os padres sairão com uma conclusão que não só será divulgada aqui na Guiné-Bissau, mas também em outros países da nossa sub-região, não só os países representados aqui, mas os países que fazem parte desta URPAO, que é a Conferência dos Padres da nossa sub-região. As conclusões não ficarão só com os padres ou com a Igreja Católica, mas serão divulgadas ao nível nacional através do Governo e das Organizações de Sociedade Civil.”
Por fim, a sessão de abertura termina com uma nota da “speaker”: “também gostaria de realçar que este encontro conta com os apoios do projeto Observatório de Paz – Nô Cudji Paz que trabalha pela prevenção do radicalismo e extremismo violento, com os apoios da União Europeia e do Camões [Camões – Instituto da Cooperação e da Língua, I.P]. O projeto é implementado na Guiné-Bissau pela Liga Guineense dos Direitos Humanos (LGDH) e o Instituto Marquês de Valle Flôr (IMVF). Então gostaríamos de agradecer os apoios ao bem do povo da Guiné-Bissau, em particular, e da África em geral.