Missão de solidariedade e sensibilização: observatório da paz visita a aldeia de Culadje

Aldeia de Culedje

Aldeia de Culedje

Nos dias 9 a 10 de março de 2024, uma delegação do Observatório da Paz – Nô Cudji Paz, liderada por Bubacar Turé, que além de coordenador do projeto é presidente da LGDH, realizou uma visita de solidariedade e de sensibilização à comunidade de Culadjé, localizada no sector de São Domingos, região de Cacheu, no norte da Guiné-Bissau.

Esta iniciativa foi desencadeada pelo grave incidente ocorrido em 21 de fevereiro de 2024, que resultou na morte de oito pessoas, incluindo cinco homens e três mulheres. As vítimas foram forçadas a ingerir uma substância líquida, supostamente destinada a identificar, através de uma confissão pública, os alegados “feiticeiros” que afligiam os habitantes locais. Além das vítimas fatais, o incidente levou à hospitalização de 21 pessoas no centro de saúde de São Domingos.

Bubacar Turé expôs três motivos para a visita por parte da comitiva do Observatório da Paz: expressar solidariedade aos familiares das vítimas, oferecendo sinceras condolências; transmitir uma mensagem de paz, perdão e reconciliação; e, por último, apelar ao abandono das práticas obscurantistas que minam a coesão nacional e ameaçam a convivência pacífica nas comunidades.

Turé fez um apelo veemente à comunidade local para colaborar na educação dos seus filhos, enfatizando que essa é a única maneira de desconstruir narrativas retrógradas que ameaçam os direitos humanos. Bubacar Turé incentivou, também, o recurso a unidades hospitalares em caso de doença, desencorajando a associação dessas enfermidades a práticas de feitiçaria.

O Coordenador Regional do escritório do Observatório na Província Norte, Augusto Mário da Silva, fez um apelo à comunidade local para não se deixar dividir por discursos de feitiçaria. Destacou que o verdadeiro desafio está na capacidade do Estado assegurar serviços sociais básicos à população, designadamente na área da educação, saúde, energia e fornecimento de água potável, fundamentais para o bem-estar social dos cidadãos.

Após as intervenções dos elementos do Observatório, o comité da aldeia de Culadje, representado por Baciro Sanhá, expressou gratidão pela iniciativa. Observou que o incidente ocorreu no quadro de uma alta taxa de mortalidade, especialmente entre os jovens, combinada com uma baixa taxa de natalidade naquela comunidade, bem como outros problemas sociais que os afetam atualmente. Esses desafios levaram os anciãos a convocar uma reunião, resultando na decisão de consultar um “vidente”, o qual sugeriu que estes constrangimentos teriam ligação com práticas de feitiçaria.

O Sr. Baciro Sanhá também afirmou: “Não houve intenção de matar ninguém, até porque também faço parte das 30 pessoas que ingeriu o líquido”. Enfatizou que “o objetivo era identificar os supostos feiticeiros responsáveis pelos tormentos e mortes na aldeia, mas infelizmente resultou numa tragédia indesejada para todos.”

Braima Djamé, um dos residentes da aldeia, representando a juventude local, expressou a crença de que muitos jovens de Culadjé enfrentam dificuldades em progredir nos estudos e na organização da vida familiar devido à crença na feitiçaria. Essa visão foi compartilhada por Ami Sall, falando em nome das mulheres locais, que afirmou: “Fomos informadas que a alta taxa de mortalidade infantil e juvenil na nossa aldeia está relacionada com feiticeiros.”

Após ouvir as diversas intervenções dos membros da comunidade local, a delegação do Observatório da PazNô Cudji Paz decidiu submeter à votação uma proposta de declaração pública de abandono das acusações de prática de feitiçaria e dos maus-tratos associados às mesmas. Felizmente e sem hesitação, os 225 presentes na reunião decidiram aprovar por unanimidade e por aclamação o compromisso coletivo de abandonar esta prática obscurantista, a qual tem causado a morte de dezenas de inocentes nos últimos anos na Guiné-Bissau.

Em resposta ao evento, os participantes expressaram gratidão pelo que consideraram ser “uma iniciativa sem precedentes de solidariedade” por parte do Observatório da Paz e solicitaram uma ação de formação aos membros da comunidade no domínio dos direitos humanos, cultura de paz e cidadania.

O segundo dia de missão do Observatório da Paz no setor de São Domingos, foi dedicado à visita às celas da Esquadra da Polícia de Ordem Pública de São Domingos, onde estão detidos os 17 suspeitos da aldeia de Culadje, indiciados pelo envolvimento na morte das pessoas acusadas de práticas de feitiçaria.

A aldeia de Culadje está localizada a 15 km do Setor de São Domingos, na região de Cacheu, no norte da Guiné-Bissau, e é habitada, principalmente, por animistas. À semelhança de outras comunidades, os moradores desta aldeia não têm elevados constrangimentos no acesso a serviços públicos essenciais, incluindo instalações sanitárias, educação, água potável, e outros.

O projeto Observatório da Paz – Nô Cudji Paz é financiado pela União Europeia e cofinanciado pelo Camões – Instituto da Cooperação e da LínguaI.Pimplementado pelo Instituto Marquês de Valle Flôr (IMVF) e pela Liga Guineense dos Direitos Humanos (LGDH).