Discurso de Abertura do Workshop “Diálogo sobre Segurança e Democracia na África Ocidental: Reflexões e Caminhos para a Ação”
Dra. Carolina Quina – Administradora do IMVF
Caro Senhor Domingos Monteiro Correia Diretor Nacional da Polícia Judiciária em representação da senhora Ministra da Justiça e Direitos Humanos da Guiné-Bissau,
Caro Embaixador da União Europeia,
Caro Embaixador de Portugal,
Caro Dr. Alex Vines, Director África da Chatham House,
Representantes das Forças de Segurança e Defesa,
Representantes do Corpo Diplomático,
Representantes das Organizações da Sociedade Civil inclusive Líderes Religiosos,
Excelentíssimas Senhoras e Senhores,
Hoje, reunimo-nos para refletir sobre as questões cruciais que afetam a paz e a segurança na África Ocidental, uma região que enfrenta desafios complexos, mas que também oferece oportunidades únicas para a transformação positiva.
Este evento marca um momento importante no âmbito do projeto “Observatório da Paz – Nô Cudji Paz”, uma iniciativa financiada pela União Europeia e cofinanciada pelo Camões – Instituto da Cooperação e da Língua, I.P., implementada pelo Instituto Marquês de Valle Flôr (IMVF) em parceria com a Liga Guineense dos Direitos Humanos (LGDH).
O Projeto “Observatório da Paz”
O projeto “Observatório da Paz” visa a prevenção do radicalismo e do extremismo violento na Guiné-Bissau, investindo em estratégias preventivas informadas e proativas. O Observatório tem adotado uma metodologia em cascata, trabalhando diretamente com diversos atores. É de referir, também, a profunda articulação com as autoridades locais, com destaque para o Ministério da Justiça e Direitos Humanos, as organizações da sociedade civil, associações de carácter religioso, associações que trabalham as causas das mulheres e dos jovens, entre outros atores. Até ao momento, mais de 3.000 pessoas foram sensibilizadas no quadro deste projeto, das quais 1.415 são mulheres, em mais de 40 eventos e iniciativas realizados em diferentes contextos e níveis da sociedade. Produzimos 2 estudos abrangentes e 2 relatórios situacionais, que analisam criticamente os fatores subjacentes à radicalização.
Acreditamos firmemente que a paz não é apenas a ausência de conflito, mas sim a presença de condições que garantam dignidade, igualdade e oportunidades para todos. É neste espírito que o Observatório da Paz tem procurado criar pontes entre diferentes setores da sociedade, promovendo diálogos construtivos e ações colaborativas.
Quero aludir a algumas iniciativas relevantes do Observatório da Paz. A mais recente, a 31 de janeiro deste ano, reunimos 200 mulheres no Bairro Militar, para a 3.ª Roda de Mulheres, uma iniciativa em parceria com o Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos e o Fórum de Intervenção Social das Jovens Raparigas (FINJOR).
Igualmente com foco no papel das mulheres pela paz e coesão social, neste caso em colaboração com o Ministério da Mulher, Família e Solidariedade Social, promovemos nos dias 11 e 12 de dezembro de 2024 o Encontro Nacional das Mulheres para a Prevenção do Radicalismo e Extremismo Violento na Guiné-Bissau, o qual proporcionou uma ocasião para a emissão de uma Declaração das Mulheres para prevenção do radicalismo e extremismo violento.
Em 21 de setembro de 2024, em parceria com o Governo da Guiné-Bissau, comemorámos o Dia Internacional da Paz. Neste evento, presidido pelo Primeiro-Ministro, Eng.º Rui Duarte de Barros, reunimos 161 participantes, incluindo líderes religiosos das principais confissões do país, diplomatas, membros do governo e da sociedade civil. Destacaram-se os desafios locais e regionais, como a instabilidade no Sahel e o aumento do extremismo violento. Na ocasião, o Senhor Primeiro-Ministro referiu que “nos últimos dois anos e meio, o Observatório da Paz tem sido de facto, não só uma iniciativa inovadora de diálogo entre diferentes atores nacionais, mas, também, de formação e reforço de capacidades de diversos segmentos da sociedade, nomeadamente, dos líderes religiosos, tais como Imames, Padres, Pastores, das mulheres, jovens, jornalistas, entre outros”. Para Rui Duarte de Barros, “enquanto cidadão atento, e Chefe do Executivo em particular, tenho acompanhado as dinâmicas de aproximação e de partilha de visões entre os nossos líderes religiosos sobre diversos assuntos da sociedade, facilitadas pelo projeto Observatório da Paz.”
Aproveitamos aqui a oportunidade, também, para saudar a nomeação do novo Bispo da Diocese de Bafatá, Frei Victor Quematcha. Esperamos poder continuar a cooperar para o diálogo interreligioso pela paz, prevendo em breve apoiar o lançamento do fórum dos líderes religiosos.
Precisamente com a Igreja Católica, o observatório associou-se à 10.ª Conferência Regional dos Padres da África Ocidental – URPAO – União Regional dos Padres da Africa Ocidental em junho de 2024. O tema da conferência foi “O papel profético dos padres face à intolerância e à instrumentalização étnico-religiosa na África Subsaariana”.
Convidámos na ocasião o Dr. Moustapha Welle, especialista em radicalismo e extremismo violento, em representação do Instituto Timbuktu, um think tank senegalês parceiro do Observatório da Paz. Welle referiu a falta de políticas de desenvolvimento, o desemprego endémico dos jovens, um sistema de ensino de baixa qualidade, atos de violência por forças de defesa e segurança contra civis inocentes, intolerâncias étnicas e religiosas crescentes, as violações de direitos humanos, as discriminações infundadas e discursos de ódio contra grupos minoritários como factores push para a adesão a movimentos de radicalismo violento.
Segundo Tudesq (2002), “a rádio em África é um meio de comunicação essencial para a democratização da sociedade e a promoção da identidade cultural”. O Observatório da Paz – Nô Cudji Paz tem utilizado a rádio como uma plataforma de sensibilização a partir de 4 rádios, tendo produzido 92 edições e 368 emissões.
O Contexto Regional: Desafios e Oportunidades
A África Ocidental atravessa um período de profundas transformações. Nos últimos anos, assistimos a uma escalada alarmante de golpes de Estado, instabilidade política e ataques de grupos extremistas violentos. Países como o Mali, o Burkina Faso e o Níger têm sido particularmente afetados, enquanto os Estados costeiros, como o Benim e a Guiné-Bissau, enfrentam crescentes ameaças à sua segurança. A persistente fragilidade institucional, combinada com altos níveis de pobreza e desigualdade, cria um terreno fértil para a radicalização e o extremismo.
No entanto, apesar destes desafios, há razões para esperança. A sociedade civil desempenha um papel crucial na promoção de alternativas pacíficas e democráticas. As organizações locais, muitas vezes lideradas por mulheres, têm demonstrado uma incrível capacidade de resiliência e inovação. São essas vozes que precisamos ouvir e amplificar, pois elas detêm as chaves para soluções sustentáveis e adaptadas aos contextos locais….
Neste sentido, o Policy Paper que hoje apresentamos – intitulado “Opções de Resposta Política para a Crise de Segurança e Democracia na África Ocidental” – visa contribuir para este debate. Elaborado pelo Dr. Alex Vines e Dra. Romane Dideberg, sob a égide da Chatham House, o documento oferece uma análise rigorosa dos principais desafios enfrentados pela região da África Ocidental e propõe recomendações práticas para os governos, as organizações da sociedade civil e para outros atores relevantes.
A Chatham House, também conhecida como Royal Institute of International Affairs, é um dos mais prestigiados think tanks do mundo, amplamente reconhecido pela excelência na análise e formulação de políticas globais. Desde a sua fundação em 1920, tem desempenhado um papel crucial na promoção de debates informados e na produção de soluções inovadoras para os desafios mais prementes da nossa era. Sediada em Londres, a Chatham House é uma referência global para governos, organizações internacionais, académicos e para a sociedade civil, oferecendo insights baseados em evidências que ajudam a moldar decisões estratégicas em questões de paz, segurança, desenvolvimento e governança.
O seu Programa África, em particular, é amplamente respeitado pela análise rigorosa e abrangente das dinâmicas políticas, económicas e sociais do continente, sendo uma fonte confiável para compreender e abordar as complexidades regionais. A colaboração com a Chatham House neste projeto reforça o compromisso do Observatório da Paz em aliar o conhecimento de ponta a ações práticas, garantindo que as nossas intervenções estão ancoradas nas melhores práticas e recomendações globais.
A Importância da Prevenção do Radicalismo e Extremismo Violento (PREV)
A prevenção do radicalismo e extremismo violento (PREV) é uma prioridade estratégica que exige esforços coordenados de todos os atores da sociedade. Estudos recentes, como o realizado pelo Observatório da Paz – Nô Cudji Paz, destacam a importância de uma abordagem centrada nas pessoas, que vá além das respostas securitárias tradicionais. A injustiça percebida, especialmente entre os jovens, é um dos principais fatores mobilizadores para a adesão a grupos fundamentalistas. A falta de oportunidades económicas, a marginalização política e social, e a ausência de canais eficazes para expressar as frustrações criam um ambiente propício para a radicalização.
Um dos estudos publicados no âmbito do projeto conclui que “a questão da prevenção do extremismo violento deve ser levada a sério” (“Estudo Compreensivo sobre a Radicalização e Extremismo Violento na Guiné-Bissau”). Este alerta igualmente que “a situação na Guiné-Bissau lembra a de outros países que ainda estão longe do epicentro da violência extremista, mas que devem estabelecer os dispositivos necessários para implementar uma política de prevenção enquanto há tempo dado o caracter transnacional e a porosidade das fronteiras.”
Além disso, os pesquisadores da Chatham House afirmam que “muitos cidadãos do Sahel veem os seus governos como parte do problema, o que torna essencial revigorar o contrato social através da resolução das queixas subjacentes e da oferta de melhorias tangíveis nos meios de subsistência e na governação”.
Uma estratégia nacional para a PREV deveria ser concebida com a participação de múltiplos atores, incluindo jovens, líderes religiosos, organizações da sociedade civil e representantes do governo. É nisso precisamente que o Observatório está a colaborar com o Ministério da Justiça e Direitos Humanos. A experiência internacional sugere que as estratégias eficazes de prevenção dependem da colaboração entre governos, organizações não governamentais, o setor privado e a sociedade civil. As iniciativas locais de resiliência comunitária, lideradas por jovens, mulheres, educadores, líderes religiosos e ativistas sociais, têm-se vindo a revelar fundamentais na contenção da radicalização, conforme apontam os estudos do United States Institute of Peace (USIP) e do European Institute of Peace (EIP).
Pela segurança e pela paz na Guiné-Bissau
Senhoras e Senhores,
O caminho para a paz e a democracia na África Ocidental não será fácil, mas é possível. Requer compromisso, cooperação e coragem por parte de todos. Requer que olhemos para além das soluções imediatas e adotemos abordagens holísticas e de longo prazo. Requer que oiçamos as vozes daqueles que estão na linha da frente – as comunidades locais, as organizações religiosas, as organizações da sociedade civil e os jovens.
Ao apresentarmos hoje o Policy Paper “Opções de Resposta Política para a Crise de Segurança e Democracia na África Ocidental”, convidamos-vos a juntar-se a nós nesta jornada. Que este documento sirva não apenas como uma ferramenta de diagnóstico, mas como um catalisador para a ação. Juntos, podemos construir uma África Ocidental mais segura, mais justa e mais próspera.
Antes de encerrar, gostaria de expressar o meu profundo agradecimento a todos os parceiros que tornaram possível este projeto, bem como aos participantes deste workshop. Permitam-me que destaque com grande estima e carinho o Dr. Alex Vines da Chatham House, por ter tido a gentileza dentro da sua agenda sempre muitíssimo preenchida, de se deslocar pessoalmente à Guiné-Bissau para este workshop.
Que as discussões de hoje inspirem novas ideias, fortaleçam parcerias e pavimentem o caminho para um futuro melhor.
Muito obrigada.
Bissau, 13 de março de 2025 | Bissau Royal Hotel